quarta-feira, 27 de maio de 2009

A Cachaça de Alambique hoje

Palestra proferida por Murilo Albernaz, presidente da Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique (FENACA), por ocasião da abertura do II Congresso Brasileiro da Cachaça (II CONBRAC), em Salvador (BA), em 20/05/09.

Primeira capital brasileira e capital brasileira por mais de 250 anos.
Terra de São Salvador.
Terra de Castro Alves, Rui Barbosa e outros grandes expoentes da arte e da cultura.
Berço da Cachaça de Alambique e, neste exato momento, Salvador é a Capital da Cachaça de Alambique do País, ao realizar o II Congresso Brasileiro da Cachaça.
A história da cachaça, o empreendedorismo, a agricultura familiar, o processo produtivo, o envelhecimento, a questão ambiental e a responsabilidade social, a certificação e o mercado externo, a produção comparada com outros destilados de qualidade no mundo,
Compõem o universo deste Congresso que, certamente, será referência para produtores, técnicos, cientistas e consumidores, colocando a cachaça em um patamar mais elevado.
É de amplo conhecimento que a cachaça de alambique – um produto de quase 500 anos de história – tem como um dos marcos de sua trajetória a criação da primeira associação de produtores – a Associação Mineira dos Produtores de Cachaça de Qualidade (AMPAQ).
A AMPAQ representou, com sua criação, uma reviravolta nos rumos de nossa bebida nacional, ao unir produtores que resolveram tomar sua própria história nas mãos, traçar caminhos, apontar rumos. Foi a principal responsável pela criação de outras associações no país e esteve presente em seus principais acontecimentos.
É talvez, ainda hoje, a mais estruturada associação de produtores de cachaça de alambique do Brasil. E, ao reconhecer este fato, ouso a liberdade de tomar como nosso o editorial mais recente da revista da AMPAQ, assinado por seu presidente, Alexandre Wagner da Silva para embasar a nossa fala.
Nele o presidente da Ampaq faz seis perguntas, cujos temas pretendemos abordar. São elas:

1) Informalidade: até quando o Governo deixará sem solução o problema da produção, com 90% dos produtores de cachaça de alambique na informalidade?
2) Tributação: qual a justificativa para se tributar a cachaça de alambique em até mais de dez vezes o seu similar?
3) Mercado Externo: por que não se tem uma estratégia própria para o nosso produto, que possui características particulares, visando o mercado externo?
4) Lei das bebidas: por que a cachaça de alambique, um produto específico, típico do Brasil, não tem uma lei própria que a regulamente?
5) Cooperativismo: por que tantas dificuldades para a implantação do sistema cooperativista na cachaça de alambique?
6) Desenvolvimento tecnológico: por que a cachaça de alambique não merece, por parte de órgãos de ciência e tecnologia do País, tratamento adequado à sua importância histórica, econômica e social?
Vamos tentar respondê-las, começando pela questão do

Desenvolvimento Tecnológico

Este é o forum mais adequado para se discutir o desenvolvimento tecnológico do setor. A Fenaca acredita que estão aqui representados os mais variados grupos de trabalho, distribuídos pelas instituições de ensino e pesquisa do país. E, desta forma, como resultante das discussões que aqui serão travadas, certamente teremos definidos os rumos tecnológicos para cachaça de alambique.

Informalidade

O problema e a solução da questão da informalidade na cachaça de alambique são de conhecimento do Governo.
Ou o Governo assume o ônus social e econômico de fechar os alambiques informais – que todos sabemos onde estão – e tirar de cerca de 20 mil famílias da agricultura familiar o seu ganha-pão, ou assume o seu papel de criar as condições legais favoráveis aos que desejam produzir dentro da formalidade ou, ainda, incentivar e apoiar de forma decidida o cooperativismo no setor, inclusive resolvendo a questão junto à Receita Federal que impede, na pratica, a existência da produção cooperada na cachaça.

Tributação

A cachaça, bem como os demais destilados, tem a obrigação de arcar com sua responsabilidade perante a sociedade.
É de fundamental importância a realização de um censo nacional da produção e do consumo de bebidas alcoólicas no Brasil, insubstituível base científica para uma política pública do álcool.
A tributação sobre a bebida destilada deve incidir sobre o teor alcoólico e, mais que isto, incidir sobre a escala de produção, em sintonia com os apelos da Organização Mundial de Saúde, como ocorre nos demais países do mundo.
O mínimo que o setor espera do governo é a isonomia tributária, sob pena de exterminar a pequena produção de cachaça no país e ser responsabilizado por isto.
Não existem justificativas plausíveis para se tributar a bebida genuinamente brasileira de forma tão destrutiva e totalmente contrária ao movimento de valorização do produto.

Mercado externo

O Governo brasileiro continua sem reconhecer de forma devida o potencial de nossa cachaça de alambique. Um exemplo disto é a constatação de que a balança comercial brasileira, no que diz respeito ao comércio de bebidas alcoólicas, pende desastrosamente desfavorável ao Brasil, com a importação de bebidas alcoólicas e a importação de insumos para a produção de cerveja.

A cachaça de alambique tem especificidades que devem ser levadas em consideração em qualquer programa de exportações.


Para criar um ambiente favorável às exportações de cachaça de alambique é necessário:

- maior articulação e ação conjunta com as representações diplomáticas e comerciais no exterior, mesmo as das empresas privadas;
- informações consistentes sobre o mercado internacional de destilados, permitindo uma priorização fundamentada (afinidades lingüísticas, por exemplo: países de língua portuguesa, comunidade latina nos EUA, Mercosul, etc.), a busca simultânea do comercio intercooperativista mundial e do Comércio Justo (fair trade);
- análise qualitativa das exportação de cachaça, que permita identificar e corrigir distorções (caso do granel e do rum, que possui a mesma classificação – NCM 2208.40- da cachaça de alambique);
- valorização e ações junto às comunidades brasileiras no exterior, os imigrantes brasileiros, embaixadores naturais de nosso produto;
- articulação com projetos de outros setores que tenham vínculo ou afinidade com a cachaça;


Lei da Cachaça

Mais uma vez o governo deixa de cumprir o seu papel.
É questão obrigatória para todo e qualquer país a legislação adequada e compatível para seus produtos.
Não existe uma lei própria para a cachaça de alambique que viabilize a verificação e o controle de suas características específicas, a qualidade do produto, que valorize sua história e suas tradições.
Hoje, no Brasil, a cachaça de alambique é tratada dentro do arcabouço de uma lei ampla, que inviabiliza ações para a construção de uma política pública, fundamental para que a bebida brasileira possa se desenvolver, garantindo a inclusão social de seus 30 mil produtores.

Em nome da Fenaca agradeço a oportunidade de me dirigir a este Congresso, e espero que, no transcurso dos trabalhos, estes e outros temas pertinentes sejam discutidos e resultem na elaboração de um documento final com propostas de ações necessárias ao desenvolvimento do setor.

Murilo Albernaz

2 comentários:

Unknown disse...

Fiquei muito feliz ao ver tamanho empenho e sei o quanto você se dedica. Sucesso!!!
Beijos Murilo.

Anônimo disse...

Gostaria de compartilhar minhas dificuldades como produtor iniciante de cachaça de qualidade.

Após a compra de equipamentos, construção do prédio do alambique dentro dos padrões, fabriquei aprox. 200 litros para teste das instalações.

No segundo ano, após a contratação de consultor, fabriquei aprox. 600 litros, que foram analisados e estão com os níveis muito abaixo dos valores exigidos pelo Min. da Agricultura.

Após mais 6 meses de descanso/envelhecimento preciso iniciar a comercialização do produto.

Não posso vender como produtor rural. Para vender minha cachaça é preciso abrir uma firma e arcar com todos os custos inclusive os honorários de um contador.

Dá para imaginar o tamanho do prejuizo se eu tiver que realmente legalizar a produção para vender 600 litros de cachaça ?

Este meu caso é o que ocorre com todos os pequenos produtores rurais que quiserem iniciar uma produção de cachaçsa no Brasil.

O pequeno produtor deveria poder comercializar sua cachaça, após liberação técniva pelo MAPA,
como "Produtor Rural" da mesma forma que comercializa banana, aipim, batata, etc.

Após atingir um certo volume de produção ( por ex.: 10000 litros anuais ) não seria mais considerado pequeno produtor e teria que se regularizar como empresa.

Paulo