quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O carvalho e o vinho

Interessante o artigo da especialista Sônia Mellier sobre a relação do carvalho com o vinho, que reproduzimos a seguir.

O nó da madeira

Sonia Melier

A relação do vinho com o carvalho data da Idade do Ferro, através dos barris introduzidos na Europa pelos celtas, mais ou menos em 1.200 A.C., dando um descanso às ânforas de barro. Feitos com a madeira do carvalho, a Quercus, com uma estrutura condensada, à prova de vazamentos, ideal para armazenar gêneros de consumo em geral, sobretudo líquidos, como o vinho, o azeite, a água. Além disso, o seu formato cilíndrico resultava em grande resistência. Podiam ser armazenados lado a lado ou uns sobre os outros. E, quando na horizontal, fáceis de mover. Tinham tudo para ter vida longa.

Quando falamos sobre vinho, pensamos quase que exclusivamente na uva e em suas variedades. Mas existem dois outros elementos cruciais para a produção de vinho. O levedo, Saccharomyces, sem o qual não existiria o vinho, apenas um suco de uva. E o carvalho. Sua relação com o vinho foi acidental, como vimos. Mas crítica, pois a maioria dos tintos finos e uma boa quantidade dos brancos dependem dos barris de carvalho para enriquecer o seu sabor.

O processo de manufatura de um barril compreende o aquecimento de sarrafos num braseiro de modo a que fiquem encurvados e se transformem em aduelas, dando aquela forma bojuda aos tonéis. E essa ligeira queima, aliada às propriedades químicas da madeira, interage com o vinho, para transmitir à bebida sabores muito característicos.

Outra qualidade dos barris de carvalho é a de ajudar na maturação dos vinhos, permitindo uma pequena e controlada exposição ao oxigênio. Normalmente, os produtores fazem o que podem para evitar o contato de seus vinhos com o ar. Mas, nesse caso, o baixo nível de oxidação que esses barris permitem é benéfico para a estrutura e o caráter do vinho.

Mas como o carvalho afeta o sabor de um vinho? Nos tintos, é comum que a madeira acrescente uma pitada de tempero, faça aparecer algumas notas de baunilha, melhore a estrutura da bebida. Num vinho branco que tenha sido fermentado e maturado em barris vamos notar um tom amanteigado, ao lado de especiarias e da baunilha comuns nos tintos.

Vinhos maturados em barris apresentam uma estrutura mais complexa, mais interessante do que aqueles que ficaram e tanques (de inox ou de cimento; neutros, portanto), embora algumas variedades brancas, como a Riesling e a Sauvignon Blanc raramente se beneficiem com a presença do carvalho.

O vinicultor sabe que pode criar "receitas" diferentes para seus vinhos. As uvas têm sabores diferentes a cada safra. Os barris também podem oferecer alternativas. Há notáveis diferenças se são novinhos em folha ou se já foram utilizados. E diferenças ainda maiores em razão de suas origens: se são feitos de carvalho americano ou de carvalho europeu (principalmente o francês). As diferenças são marcantes.

O carvalho americano (Quercus alba) tem anatomia diferente: os grãos são maiores, mas menos porosos; as notas de baunilha e de especiarias mais evidentes. Já com o carvalho francês (Quercus robur), de grãos também grandes (e mais porosos), esses efeitos são mais sutis. Os tanoeiros, antes de produzir os seus barris, "temperam" a madeira, deixando em contato com o ar, chuva, neve, frio e calor por meses. Eles tentam assim amaciar os taninos verdes do Quercus - que poderiam dominar o sabor do vinho e torná-lo intoleravelmente adstringente.

Fora aquecer os sarrafos para transformá-los em aduelas, o interior do barril também é "tostado" - tudo para se chegara um determinado estilo de sabor. E, assim, ao planejar suas "receitas", os vinicultores decidem o que vão utilizar, considerando que os barris franceses são muito mais caros do que os americanos. Vão também optar por barris novos ou usados, por pipas mais ou menos tostadas. Ou seja, pelo "tempero" que desejam para seu vinho.

Os barris novos conferem o máximo de sabores, evidentemente - o que vai diminuindo com cada utilização e re-utilização, de modo que, já no terceiro uso, os tonéis mal conseguem oferecer algum sabor. O produtor, muitas vezes, amadurece seus vinhos numa mistura de barris novos e usados, de modo a evitar a presença dominante do carvalho no sabor da bebida.

Como os barris novos são caros, seu uso é normalmente reservado aos melhores vinhos. Mas o vinicultor gostaria que seus vinhos mais baratos tivessem também os benefícios do carvalho, mas sem os altos custos dos barris. Assim, passaram a utilizar alternativas ao barril: são lascas, picotes, flocos, grãos de carvalho que colocam num tanque neutro para emprestar o sabor da madeira.

Os resultados são variáveis; os produtores estão aprendendo a utilizar essas alternativas não apenas por economia, mas para não deixar de fora o sabor do carvalho, mesmo que não utilizem os barris.

Barris que podem ser cada vez menos utilizados, em razão de técnicas novas, como a da micro-oxigenação, um processo que simula aquela gradual e mínima exposição do vinho ao oxigênio que acontece nos barris.

Um equipamento especial é colocado no tanque e libera microbolhas de oxigênio de modo controlado. Essa técnica utilizada em paralelo à das lascas de carvalho emula o processo da maturação em barris, sem presença destes (e de seus altos custos). É uma técnica ainda em sua infância, difícil de prever será adotada universalmente. Os barris podem até desaparecer, mas o carvalho continuará na história do vinho. O nó dessa madeira ninguém desata.

Um comentário:

MarceloPacheco-ThePhotografer disse...

Realmente o carvalho combina perfeitamente com o vinho.
Mas, nas minha humilde opinião, o que combina com cachaça, são madeiras nacionais, como a Amburana(que empresta á cachaça um buquê de baunilha -resultado da combinação de elementos presentes nesta madeira com outras substâncias resultantes e presentes na cachaça após a alambicagem)Jequitiba, para quem prefere o gosto mais "purinho".
Mas, o preucupante, é que cada vez mais se planta cana, aperfeiçoa e pruduz-se a cachaça...mas ninguem se preucupa em reflorestamento, principalmente com espécies nativas.
resultado: Cada vez mais deixaremos nossa Cachaça Brasileiríssima com cara de uiske americano.
É de se pensar...
Cachaça Aragana – Cachaça brasileira