quarta-feira, 25 de março de 2009

Leis que secam

Escritor mostra a ineficácia do proibicionismo desatrelado de políticas preventivas na relação álcool/motoristas

Uma análise fria das estatísticas revela que a chamada Lei Seca fracassou. Ao longo dos quase nove meses de vigência da proibição ao consumo do álcool pelos motoristas, a queda no número de acidentes, quando ocorreu, foi insuficiente para justificar o radicalismo da medida. Constrangimento, mistificação e partidarismo impedem que o fato seja reconhecido e examinado em suas reais dimensões.
É contraproducente usar os incontáveis males causados pelo álcool como escudo meritório da legislação. A questão foge do âmbito da saúde pública - onde, aliás, o proibicionismo jamais obteve resultados. Tampouco ajuda a reafirmar a óbvia importância de punir o motorista embriagado, mesmo que persistam críticas aos fundamentos técnicos da tolerância mínima e ao caráter autoritário desse tipo de norma.
A população já sabe que inexistem condições mínimas para uma fiscalização satisfatória. Ao contrário do que afirmam as autoridades, não há sequer dados confiáveis sobre outros fatores que provocam acidentes, como a falta de manutenção em rodovias e automóveis. As polícias preferem inspecionar a conduta dos jovens abonados, ignorando as vastas periferias urbanas e a gigantesca, tenebrosa malha rodoviária braqsileira, reduto dos verdadeiros assassinos motorizados.
Tudo isso resulta num placebo jurídico fadado ao descrédito geral. Milhões de novos bafômetros continuarão insuficientes enquanto faltarem políticas preventivas que envolvam investimentos em transporte público, melhorias nas estradas, exames específicos para motoristas profissionais de todas as categorias, qualificação policial e disseminação de vistorias sistemáticas, principalmente nas regiões mais vulneráveis.
A repressão obtusa é o refúgio da incompetência administrativa. Criminalizar substãncias e usuários apenas expurga as culpas de uma sociedade conservadora e assustada, nada mais. Tragédias independem de canetadas autoritárias.

(*) Guilherme Scalzilli, historiador e escritor. Autor do romance Crisálida (editora Casa Amarela). www.guilherme.sacalzilli.blogspot.com
Este artigo foi publicado originalmente na revista Caros Amigos, nº 144, março 2009.

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